quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Físicos na Itália tentam isolar partículas que 'mantêm o universo unido'

Percorrendo a Autoestrada 24 da Itália, uns 130 km a leste de Roma, você chega à cordilheira de Gran Sasso. Trata-se de um dos mais espetaculares parques nacionais italianos, o qual inclui o Corno Grande (2.912 m), ponto culminante dos montes Apeninos. Ursos, gatos selvagens, lobos e camurças vivem aqui, e a cada verão milhares de turistas tiram férias nessa paisagem gloriosa e acidentada.
Mas a montanha esconde um segredo intrigante, que pode ser vislumbrado a partir da A24 quando ela mergulha no túnel de 10 km construído sob o Gran Sasso. No meio do caminho, outro túnel se ramifica da estrada principal. Se você o seguir, chega a um sólido portão de aço inoxidável, com 4 metros de altura, operado por guardas. Você está agora prestes a entrar nos Laboratórios Nacionais do Gran Sasso, uma toca subterrânea onde os cientistas investigam a estrutura da matéria e a composição do universo. Com seu labirinto de túneis, guardas fardados e reluzentes prateleiras de equipamentos, é um dos mais espetaculares laboratórios do mundo. Na minha visita, só faltou uma aparição de Ernst Blofeld afagando um gato persa branco.
O centro de pesquisa foi construído na década de 1990, aproveitando as obras do túnel da A24 sob o Gran Sasso. Basta acrescentar um acesso lateral e alguns quilômetros adicionais de túneis, disseram os cientistas ao governo italiano, e a gente vai criar uma instalação única. "E foi isso que aconteceu", diz o professor Cristian Galbiati, que trabalha no laboratório. "Cerca de 10 km de túneis foram perfurados aqui. Acima de nós há 1.400 metros de rocha - e é isso que torna este lugar tão importante."
A parte superior da atmosfera terrestre é constantemente bombardeada por raios cósmicos, que criam cascatas de partículas chamadas múons, as quais banham a superfície do planeta. Essa radiação de fundo é inofensiva, mas pode atrapalhar medições delicadas de partículas subatômicas. Daí a decisão dos cientistas de construir um laboratório com um telhado rochoso de 1,4 km de espessura (Gran Sasso significa "pedra grande"). Essa rocha bloqueia quase todos os múons que atingem a superfície, segundo Galbiati. "Isso faz deste laboratório um dos lugares menos radiativos do planeta."
A pétrea cúpula protetora do Gran Sasso, porém, motiva uma questão importante: por que é tão importante ter um laboratório livre de radiação? A resposta é simples, mas impressionante. Os cientistas aqui estão tentando localizar um material conhecido como matéria escura, que supostamente permeia o universo na forma de partículas dotadas de massa e fracamente interativas - ou, em inglês, "weakly interacting massive particles", expressão abreviada como Wimp, palavra que também designa uma pessoa "frouxa". Incrivelmente, acredita-se atualmente que cerca de 85% da massa do universo seja composta por Wimps. Essas partículas permeiam o universo ao nosso redor, voando através da matéria normal, mas raramente interagindo com ela.
Acredita-se que cerca de 85% da massa do universo seja composta por matéria escura ou, em inglês, "wimps"

Até agora, ninguém detectou tais partículas, mas as tentativas de localizá-las estão se intensificando. Um projeto euro-americano - o DarkSide50 - deve iniciar suas operações no Gran Sasso em poucas semanas. O fato de o laboratório ter sido construído num local do qual virtualmente todas as demais partículas foram filtradas - graças a esse vasto telhado de pedra - oferece um impulso crucial na caçada às Wimps, segundo os cientistas.
Uma razão muito simples leva os cientistas a acreditarem que a matéria escura existe: as galáxias que compõem o universo estão girando rápido demais. Parece improvável, mas é verdade, insiste Gerry Gilmore, professor do Instituto de Astronomia de Cambridge. "Pense numa semente de castanheira [usada, presa a um fio, num jogo infantil típico da Grã-Bretanha]. Quanto mais rápido você a gira num pedaço de corda, maior a força necessária para segurá-la e evitar que voe para longe de você. Bom, o mesmo vale para as estrelas que orbitam as galáxias."
"Se uma estrela orbita uma galáxia a alta velocidade, isso significa que a galáxia deve ter um campo gravitacional muito forte para segurá-la e evitar que saia voando para o espaço - e campos gravitacionais poderosos só podem ser gerados por corpos com massas enormes."
Munidos dessa ideia, astrônomos decidiram no século passado calcular a massa das galáxias de duas formas diferentes. Eles computaram todo o material observável - estrelas, planetas e nuvens de poeira - em uma galáxia específica e definiram sua massa com base nisso. Eles também observaram as velocidades com que as estrelas orbitavam uma galáxia, e daí deduziram a massa.
Os dois resultados deveriam ser iguais. Mas não eram. As cifras derivadas do segundo método - baseado nas velocidades estelares - invariavelmente indicavam massas dez vezes maiores do que no primeiro método. E isso valia para todas as galáxias estudadas pelos astrônomos.
Inicialmente, os cientistas supuseram que estavam simplesmente deixando de observar estrelas que eram pequenas ou apagadas demais para serem vistas da Terra. Sua presença poderia responder pela massa que faltava no universo - ou pela matéria escura, como eles decidiram batizá-la. O desenvolvimento da astronomia infravermelha, na década de 1980, levou essa noção a ser arquivada.
"Os detectores de infravermelho acoplados aos nossos telescópios nos permitiram observar as estrelas não por sua luz, mas pelo calor que elas emitiam", diz Gilmore. "Isso significou que pudemos ver aquelas estrelas apagadas pela primeira vez. Mas, quando começamos a contá-las, logo se tornou claro que não haveria nem de longe um número suficiente delas para dar conta da matéria escura."
Outras entidades astronômicas que poderiam responder pela matéria escura - estrelas de nêutrons ou anãs-marrons (estrelas que não conseguiram "se acender" por falta de hidrogênio suficiente para queimar) - também não foram encontradas nas quantidades necessárias. Então, os cientistas que buscam a matéria escura se afastaram do que é astronomicamente grande, olhando ao invés disso para o que é incrivelmente pequeno. Em outras palavras, eles decidiram que a massa que está faltando no universo deve ser composta por partículas indetectáveis, que se esbarram pelo espaço em quantidades colossais e formam halos invisíveis ao redor das galáxias, contribuindo enormemente com sua massa. Essas partículas são as Wimps, e elas estão conosco o tempo todo, embora sejam extraordinariamente difíceis de detectar.
"Havíamos eliminado todo o resto", diz Chamkaur Ghag, do University College, de Londres, um dos diretores científicos do projeto DarkSide-50. "As únicas coisas que restaram sobre a mesa eram as partículas subatômicas, e essas, conforme sabíamos, precisariam ser de um tipo muito especial. Elas precisariam ser partículas bastante massudas para dar conta de toda aquela matéria faltante no universo, mas só seriam capazes de interagir fracamente com a matéria normal - porque, se elas interagissem fortemente, a esta altura já as teríamos visto. Daí a sigla Wimps." Essa descoberta fez os cientistas irem cada vez mais fundo - para dentro de cavernas, minas, túneis e outros locais subterrâneos. Nesses locais, as espessas camadas de rocha filtrariam aquelas temíveis chuvas de múons que assolam a superfície da Terra e sobrecarregam os detectores, impedindo os cientistas de localizarem as Wimps. Daí a criação do laboratório do Gran Sasso, junto com centros de pesquisa construídos na mina de sal de Boulby, em Cleveland (Inglaterra), e na antiga mina de ouro de Davis Cavern, na Dakota do Sul (EUA).
"Eliminar os piores efeitos dos raios cósmicos é um grande feito, mas ainda temos outros problemas aqui embaixo", disse Frank Calaprice, professor da Universidade Princeton (EUA), que trabalha na detecção de matéria escura no Gran Sasso. "Para começo de conversa, alguns poucos múons ainda conseguem vir parar aqui embaixo, embora o fluxo seja inferior a um milionésimo do que sobre o solo. Também temos de lidar com o gás radônio, que é produzido pelo decaimento do urânio e do tório nas rochas ao nosso redor. O radônio é radiativo, e novamente precisamos filtrar isso."
O radônio se torna particularmente problemático se impregnar os equipamentos usados nas experiências. Os próprios detectores então começam a liberar partículas, fornecendo sinais espúrios que interferem nos resultados. Por isso os engenheiros se esforçam para assegurar que o radônio seja retirado do ar quando da montagem desses detectores.
Quando ao excesso de múons, eles são eliminados pela colocação dos detectores em enormes tonéis de água puríssima. O do DarkSide-50 contém dezenas de milhares de litros. Dentro dele há uma enorme esfera que contém um cintilador à base de boro, feito com um material capaz de barrar quaisquer partículas desgarradas que possam atravessar a proteção de água. "Essencialmente, estamos tentando criar um experimento livre [de interferências] de fundo aqui", diz Calaprice. "Estamos colocando um dispositivo dentro do outro, como um conjunto de bonecas russas, para tentar nos livrarmos de qualquer possível sinal espúrio, facilitando assim a detecção da matéria escura."
O último dispositivo dentro dessa sequência de bonecas russas é uma esfera de aço inoxidável que contém 150 kg de gás argônio. Esse é o coração do DarkSide-50. "O argônio no interior está principalmente na forma líquida, mas há um pouco na forma de vapor no topo" diz Andrea Iannia, um dos gerentes do DarkSide-50. "Uma Wimp que passe por essas duas formas de argônio irá produzir um clarão de luz caso atinja um átomo na fase líquida e causar a emissão de elétrons do argônio no estado gasoso. Seremos capazes de dizer, a partir da razão entre esses dois sinais, se detectamos uma Wimp."
O DarkSide-50, porém, não é a única máquina procurando energia escura no Gran Sasso. Outro importante detector usa xenônio para localizar Wimps, por exemplo. De forma similar, outras máquinas em Davis Cavern (Dakota do Sul) também exploram o xenônio em suas tentativas de apontarem a massa que falta no universo. "Estamos construindo máquinas cada vez mais sofisticadas para achar a matéria escura. Espero que possamos apontar as nossas primeiras Wimps em poucos anos", acrescenta Ghag
É possível, no entanto, que os cientistas simplesmente não sejam capazes de detectá-las. As partículas que compõem a massa faltante no universo podem afinal não serem partículas que interagem fracamente, e sim que jamais interagem com a matéria normal. "Esperamos que elas interajam para podemos estudá-las, mas afinal de contas não temos provas de que elas irão interagir. Se não interagirem, só poderemos ser capazes de estudá-las a partir dos efeitos gravitacionais que elas têm sobre nós."
Nesse caso, a matéria escura seria como uma matéria fantasma, um material etéreo, feito de partículas que atravessam objetos sólidos sem um efeito discernível. Ghag, no entanto, é enfático sobre a importância da matéria escura. "É bastante simples. Não haveria Terra nem humanos se não existisse a matéria escura. Sem a massa considerável dessas partículas, as galáxias não teriam sido capazes de se formar nos primórdios do universo. Quando as nuvens gasosas gigantes se formaram depois do Big Bang e começaram a girar, elas teriam simplesmente se dispersado, como uma semente de castanha quando a corda se rompe, sem a massa fornecida pela matéria escura. Então as galáxias não teriam se formado, nem as estrelas, nem os planetas - nem a vida, se não fosse pela matéria escura. Estamos aqui porque as Wimps mantiveram nossa galáxia unida. É por isso que queremos estudá-las."
Aglomerados de galáxias Abell 222 e Abell 223 conectados por filamento de matéria escura
OUTROS CENTROS DE TESTES
Colisor de Elétrons-Pósitrons 2, Pequim
Custo estimado: 640 milhões de yuans (US$ 100 milhões)
O que procura: Opera numa gama energética chamada região de tau/charm, por causa dos tipos de partículas elementares formadas na colisão de elétrons e pósitrons nesse nível energético. Permite que os cientistas investiguem esses pequenos constituintes da matéria, e suas antimatérias equivalentes. Espera-se que prove a existência da partícula subatômica "glueball".
Já achou? Ainda não.
Grandes números: Usa o maior ímã da China, do tipo solenoide supercondutor, de 3,39 metros de diâmetro e 3,91 de comprimento.
Instalação Nacional de Ignição, Califórnia
Custo: US$ 3,5 bilhões
O que procura: Dispara 192 lasers, com uma mistura de dois isótopos de hidrogênio, na esperança de encontrar uma maneira de provocar uma reação de fusão nuclear com ganho energético. Reações de fusão geralmente exigem mais energia do que geram.
Já conseguiu? Ainda não.
Grandes números: Os alvos dos lasers atingem temperaturas de 100 milhões de graus Celsius, e pressões superiores a mais de 100 bilhões de vezes a atmosfera terrestre.
Grande Colisor de Hádrons, Genebra
Custo: US$ 7,8 bilhões, mais US$ 1,2 bilhão de dólares por ano
O que procura: O bóson de Higgs, conhecido como "a partícula de Deus".
Já achou? Achou algo "consistente com" o comportamento esperado do bóson de Higgs, mas os cientistas aguardam mais dados e análises.
Grandes números: Tem uma circunferência de 27 km; 10 mil pessoas de 60 países trabalham lá; custou o mesmo que o PIB das Bahamas.
Super-Kamiokande, Japão
Custo: 10,4 bilhões de ienes (US$ 126,1 milhões)
O que procura: Tudo que tenha a ver com neutrinos e seu comportamento, além de observar sua emissão em supernovas.
Já achou? Em 1998, detectou o primeiro indício de uma oscilação de neutrinos - indícios experimentais que amparam a ideia de que os neutrinos não têm massa zero.
Grandes números: Localizado 1 km abaixo da mina de Mozumi, tem 41 metros de altura, um tanque cilíndrico de 40 metros de diâmetro, contendo 50 mil toneladas de água.
Observatório de Neutrinos de Sudbury, Canadá
Custo: US$ 73 milhões
O que procura: Tentou confirmar o número de neutrinos que o Sol emite, além das suas propriedades.
Já achou? O Super-K se antecipou em três anos na publicação dos indícios de que os neutrinos têm massa diferente de zero, mas o Sudbury confirmou especificamente que os neutrinos do Sol não têm massa.
Grandes números: Fica 2 km abaixo da antiga mina de Sudbury. O detector propriamente dito consiste em um barril com mil toneladas de água-pesada.

Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1192768-fisicos-na-italia-tentam-isolar-particulas-que-mantem-o-universo-unido.shtml

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