O espelho do telescópio James Webb, ameaçado de cancelamento por corte de verba |
Enquanto os canais de televisão aqui nos EUA estão lamentando o fim do programa de vôos tripulados com o ônibus espacial, a comunidade de astrofísicos e astrônomos está muito mais preocupada com outro problema na Nasa, o possível cancelamento de um projeto que ainda nem saiu do chão: o Telescópio Espacial James Webb.
Considerado o sucessor do telescópio Hubble, o novo observatório orbital não dependerá dos ônibus espaciais, mas seu bilionário e mal planejado orçamento virou saco de pancadas de congressistas americanos que estão negociando cortes nos gastos de governo.
O comitê de orçamento da Câmara dos Representantes dos EUA, dominado pelos republicanos, propôs cortes de US$ 430 mihões para os programas científicos da Nasa no próximo ano fiscal, recomendando que o James Webb seja abandonado. Se o comitê que reúne a Câmara e o Senado sancionar o pedido, é difícil dizer como o projeto poderia ser retomado.
Astrônomos reconhecem que, de fato, a conta saiu mais cara do que o esperado. O telescópio, que deveria custar US$ 1,6 bilhão de acordo com sua concepção inicial, sofreu inúmeros pedidos de aporte de verba e agora está estimado em US$ 6,5 bilhões.
Pesquisadores que já tinham começado a se enfileirar para pedir tempo de observação no James Webb, porém, notam que estouros de orçamento são comuns em projetos pioneiros da Nasa. O próprio Hubble teve uma história conturbada, precisou de concerto em pleno espaço, mas niguém questiona hoje se valeu a pena lançá-lo.
O que os astrônomos estão pedindo aos senadores americanos agora é que eles não se deixem levar por uma abordagem de curto prazo ao avaliar a importância do James Webb para a ciência. Seu preço talvez não seja tão caro, levando em conta o custo-benefício. A Estação Espacial Internacional, que está sendo finalizada agora, custou algo na escala dos US$ 100 bilhões, e muita gente ainda pergunta se o que ela deu de retorno à ciência vale esse preço.
O valor científico que um telescópio com o James Webb teria, porém, é incomparável à ISS. Declarações em apoio ao James Web foram ao ar em dezenas de blogs e sites de astrônomos na última semana, em tom dramático.
Julianne Dalcanton, da Universidade de Washington, escreveu: "Eu acabo de lecionar um curso de pós-graduação sobre astronomia extragaláctica, e não consigo lembrar quantas vezes falei aos alunos sobre a velocidade com que anda esse campo de pesquisa e concluí: se nós queremos passar para o próximo nível, precisamos do James Webb."
Risa Wechsler, da Universidade Stanford, lembra que o James Webb nos permitiria ver "o primeiro bilhão de anos na história do Universo, a formação das primeiras estrelas e dos primeiros buracos negros", além de "investigar a composição química de planetas extra-solares e obter imagens de discos de poeira que formam os planetas ao redor das estrelas".
O nível de detalhe com que o novo telescópio faria isso não se equipara a nenhum outro baseado na Terra. Sarah Kendrew, do Instituto Max Planck de Astronomia, engenheira que trabalhou em um dos instrumentos do telescópio James Webb, resume de maneira melancólica a perspectiva de morte do programa em um texto para o jornal "The Guardian":
"É difícil ver quem sai ganhando se o James Webb for realmente cancelado. Para cientistas, essa perda desaceleraria o progresso no entendimento da física que governa o Universo em um momento no qual grandes avanços estão a nosso alcance. Engenheiros, que conseguiram completar com sucesso muitos aspectos do observatório, verão mais de uma década de trabalho ir para o lixo", afirmou a cientista.
Sob muitos aspectos, os cientistas estão cobertos de razão. Mesmo pensando de um ponto de vista puramente financeiro, é preciso levar em conta que US$ 3 bilhões já foram gastos para construir o telescópio, que deve decolar em 2018. Não faz muito sentido argumentar sobre dinheiro economizado no futuro quando se joga investimento passado fora.
Se o James Webb acabar sendo salvo, porém, o que os astrônomos dos EUA mais temem é descobrir que o preço disso terá sido o de paralisar outros projetos importantes, como o WFIRST, que propõe investigar a misteriosa energia escura. A revista Nature, no ano passado, publicou uma reportagem intitulada "O telescópio que comeu a astronomia", em referência ao risco de o James Webb canibalizar outros projetos.
Pelo visto, a comunidade astronômica vai entrar numa era onde as escolhas terão de ser feitas de maneira muito mais cuidadosa, dada a proporção (e o preço) que os novos supertelescópios estão ganhando. De um jeito ou de outro, salvar o James Webb a qualquer custo parece ser a escolha que muitos astrônonos fariam. A Aura e a AAS —as duas principais associações de astronomia dos EUA— já enviaram cartas ao Capitólio pedindo isso.
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